quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Arqueologia Conceitual

Este artigo foi recentemente publicado na Revista da UNICAMP ( http://www.historiahistoria.com.br/materia.cfm?tb=alunos&id=219 ). Obrigado a todos que me apoiam, em especial aos Drs. Alexandre Navarro e Lúcio Menezes, estou muito feliz!


Este texto foi escrito visando abordar algumas teses que rondam a Arqueologia no sentido de defini-la conceitualmente. Ao ser perguntado de como eu definiria a Arqueologia, o que eu poderia dizer? Seria fácil definir arqueologia com a simples frase: "é a ciência que estuda a história através de artefatos" ou se ela não fosse uma ciência com um objeto de trabalho definido e todos nós fossemos arqueólogos como Schliemann que era apenas um comerciante que viajava pela Europa no início do século e hoje é um nome respeitado entre os arqueólogos. O fato é que a Arqueologia é uma ciência tentando demarcar seu território, definindo seu espaço entre as ciências já existentes, respeitando seus limites e tentando explicar, através de suas técnicas e métodos de trabalho, o que é um limite para outras ciências como é o caso da sua relação com a História.
Nesta relação com a História e o que a Arqueologia traz de informações que estão fora do alcance nos estudos históricos, estamos dando ênfase para a pré-história (claro que todos nós sabemos que Arqueologia não vive só de pré-história, ela também estuda objetos de todas as épocas complementando e aumentando o número de informações que obtemos nos estudos históricos) que não existia escrita, documentos, o que a impossibilita de ser estudada pela História, pelo menos sem o auxílio dos arqueólogos. A exemplo disso temos a história dos povos africanos que tudo que sabemos até hoje sobre a maioria desses povos se deve muito a Arqueologia que desvenda desenhos rupestres, objetos entre outros registros que não possuem escrituras devido a inexistência da forma escrita dos dialetos destes povos. Em "Arqueologia de la Naturaleza/Naturaleza de la Arqueologia" (Arqueologia da natureza/natureza da arqueologia), Haber aborda este tema:

“Fixar o limite do arqueológico, já incluindo e excluindo o moderno, implica necessárias decisões que não só vinculam nossas noções de tempo, mas também nossas idéias sobre a distância na qual mantemos o objeto - curiosa esta necessidade minha de dizer isto no âmbito de uma disciplina cujos contornos estão definidos pela Pré-história.” (HABER, 2004: pg. 16).

Não deixa dúvidas entre os profissionais e acadêmicos da Arqueologia que ela teve sua origem na tentativa de desvendar os mistérios da pré-história. Neste ramo ela se iniciou e vem mostrando sua importância também nos outros ramos da História como complemento de informações e respostas a questões que não são respondidas em documentos.
Mas, de fato, o que é a Arqueologia?
No meu ponto de vista, ela estuda sim a História (ao contrário do que muitos arqueólogos pensam), e é sim uma Ciência Humana. Estuda a História através dos objetos e restos (sejam restos de matéria humana – corpos – sejam objetos fabricados por eles ou resquícios de suas fabricações), deixados por sociedades que habitaram o local escavado. Ela desvenda os mistérios sobre os ritos e culturas dos povos que habitavam uma determinada região e também mostra a sua colaboração para a modificação deste local, de sua natureza.
Numa concepção parecida, ao responder esta mesma pergunta, Funari expõe seu ponto de vista sobre a Arqueologia em seu texto: “O que é Arqueologia?”:

“ [...] não há consensos, sendo a própria Arqueologia uma ciência em construção. Do meu ponto de vista a Arqueologia estuda os sistemas socioculturais, sua estrutura, funcionamento e transformações com o decorrer do tempo a partir da totalidade material transformada e consumida pela sociedade. [...] tem como objetivo a compreensão das sociedades humanas e, como objeto de pesquisa imediato, objetos concretos.” (FUNARI, 2003: pg. 16).

É um ponto de vista interessante que complementa o que eu falava a respeito.
Alguns autores desvinculam a Arqueologia da História (como é o caso de Binford) alegando que “registros arqueológicos não podem ser símbolos, palavras ou conceitos, são apenas materiais que se distribuíram na natureza e a única maneira de entendê-los seria averiguando sua origem e como tomaram sua forma atual”.
Seguindo a linha de pensamento de Binford (BINFORD, 1988: pg. 27), eu poderia escrever “A história de uma pedra: sua ontogenia e explicação de como foi parar no quintal da minha casa”, ou seja, seria uma materialização total da arqueologia, usando suas técnicas para uma observação de materiais sem olhos e curiosidades de historiador. Creio que isso não venha a ser o interesse comum e nem o nosso principal objeto de estudos.
Para finalizar, o processo evolutivo em andamento da Arqueologia tem um futuro promissor se seguir a mesma linha que está seguindo. Cada vez mais ela adquire mais respeito e importância para o mundo acadêmico e para a humanidade como um todo. Cada vez mais as pessoas se interessam pela ciência (que existe desde o século XVIII e teve sua profissionalização no século XIX) e cada vez mais forma-se arqueólogos capazes de discutir suas teses ao redor do mundo. Ainda o número de Arqueólogos é muito escasso, tratando-se de Brasil, por exemplo, existe uma média de apenas 200 profissionais. É muito pouco para um país de grande extensão e uma diversificada história pré-européia como o nosso.
A ligação da Arqueologia com a História e a Antropologia é inevitável, as três ciências andam de mãos dadas e unidas abrem os olhos da sociedade para a realidade que a ciência traz a tona desvendando – permita-me expressar de uma maneira romântica – os mistérios e mitos sobre o passado.
Os objetivos comuns com as outras ciências sociais trazem a Arqueologia para perto delas, podendo sim defini-la como uma ciência social que também necessita de uma análise interdisciplinar para cada objeto de estudo, e é este objeto que diferencia a Arqueologia das demais e lhe dá importância fundamental em meio às ciências humanas.


Bibliografia:

BINFORD, L. Descifrando el Registro Arqueológico. In: En Busca del Pasado. Barcelona: Crítica. 1988, pp. 23-34.

FUNARI, P. P. O que é Arqueologia? São Paulo: Contexto, 2003.

HABER., A. La Arqueologia de La naturaleza / Naturaleza de La Arqueologia. In: HABBER, Alejandro (org). Hacia una Arqueologia de lãs Arqueologias Sudamericanas. Bogotá: Ediciones Uniandes, 2004. pp. 15-32.


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