sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Apreciação crítica da obra "O Povo de Luzia"

Esta resenha foi recentemente publicada na Revista da UNICAMP como matéria Especial ( http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=resenhas&id=45 ). Obrigado a todos que me apoiam, em especial aos Drs. Alexandre Navarro e Lúcio Menezes, estou muito feliz!



Antes de tudo é fundamental citar que a obra de Neves e Piló, “O Povo de Luzia”, é, sem dúvidas, uma leitura formidável, sem complicações, onde é alcançado um elevado nível didático, não só falando de pré-história e achados, mas também outros variados assuntos contextualizando Lagoa Santa - MG (onde foram encontrados os fósseis) e a história de Luzia. Com textos e comentários muito bem elaborados, até irônicos em algumas ocasiões, é possível fazer uma viagem pela origem humana e pelos sítios arqueológicos brasileiros encontrados principalmente em MG muito bem descritos na obra. É composta por 8 capítulos sendo que à partir do capítulo 6, Neves e Piló fazem uma espécie de retrospecto fixando algumas passagens dos capítulos precedentes com o intuito de lembrar o caudaloso número de informações certificando-se que o leitor assimilou cada uma delas contidas na obra.

O Povo de Luzia, num primeiro momento, fala sobre o processo de hominização, como surgiram os homens na terra. Os autores citam que o homem nasceu de um processo natural como qualquer outro ser vivo, os processos de evolução biológica e seleção natural, teoria de Darwin. Segundo eles evolução não tem projeto, nem mesmo a do homem e que, como expressou Jaques Monod, prêmio Nobel francês, é puro resultado do acaso, não é possível fazer visões no campo da evolução biológica por conseqüência das variabilidades genéticas e mudanças ambientais, a prova disso seria o imenso número de espécies que se extinguiram no passado. Ainda falam que Evoluir é tão diferente de tornar-se melhor quanto de tornar-se mais complexo, que seria apenas mudar mantendo-se adaptado. Seleção natural não fixa sempre alternativas perfeitas, elege a melhor entre as disponíveis e ainda ironizam a dificuldade que a evolução tem em gerar coisas absolutamente revolucionárias visto o tempo elevado que demora pra surgir e adaptar uma espécie num determinado ambiente, prova disto o abundante número de fósseis espalhados pelo planeta.

Fazem uma revisão no surgimento da vida no planeta registrando que as bactérias surgiram cerca de 3,5 bilhões de anos, criaturas multicelulares há 1,8 bilhões de anos, primeiros animais há 575 milhões de anos, formais animais hoje existentes há 530 milhões de anos, citam que 9/10 da evolução da vida ocorreu embaixo da água. Plantas terrestres há 500 milhões de anos, primeiros invertebrados e vertebrados terrestres há 450 e 360 milhões de anos respectivamente, dinossauros e mamíferos há 250 milhões de anos, sendo que os dinossauros extinguiram-se há 65 milhões de anos, primatas surgem aos 55 milhões de anos e enfim os homens e seus ancestrais diretos, os hominíneos, surgem há 7 milhões de anos.

Numa frase atrevida, expressam que a pergunta se nós homens viemos do macaco é totalmente desnecessária pois somos um grande macaco! Deste ponto em diante fazem uma análise fenotípica e comportamental entre os primatas, grupo onde inclui-se o homem. Fazem ainda uma análise evolutiva e classificatória dos antropóides, especialmente os macacos propriamente ditos e os hominóides (pongíneos, gorilíneos e hominíneos). Após a análise começa então a história dos bípedes, onde o mais antigo foi encontrado em 2001 no Chade com datação de 7 milhões de anos e citam que, diferentemente do que pensava Darwin, a fixação da bipedia pela seleção natural se deu nas florestas e não nas savanas. Falam à grosso modo que os hominíneos existentes no planeta entre 7 e 2 milhões de anos eram verdadeiros chimpanzés em pé. Assim como o homem dista 7 milhões de anos do ancestral comum com os chimpanzés atuais (que tem uma identidade gênica entre 95% e 98% em relação aos humanos, sendo considerados nossa “espécie irmã”), estes também evoluíram 7 milhões de anos em relação ao mesmo ancestral. Ainda fazem uma análise das características ósseas desses primeiros hominíneos.

O surgimento do gênero Homo se da por volta de 2 milhões de anos nas savanas africanas, como consta na obra. A partir daí começa a explicação sobre a evolução humana falando principalmente do Homo erectus que tão logo ao seu surgimento começou a se expandir para outros continentes, tendo chegado ao Cáucaso (entre Europa e Ásia) por volta de 1,75 milhões de anos. Alguns autores acreditam segundo análises em crânios, em duas espécies distintas: Homo ergaster (Ásia) e Homo erectus (África). Por volta de 1,6 milhões de anos começaram a surgir ferramentas de pedra lascada mas sem uma concepção formal do objeto desejado. Indústria lítica conhecida como Acheulense e acredita-se que apenas depois dessa indústria o homem tenha saído da África.

Por volta de 800 mil anos os primeiros grandes cérebros começaram a surgir. O autor sugere que poderiam ser todos reunidos em uma única espécie chamada: Homo heidelbergensis (homem fisicamente moderno). Concretizam que datada em 400 mil anos, uma lança de madeira foi encontrada junto a esqueletos de cavalos pré-históricos na Alemanha, nos anos 1990. Ainda citam que por volta dos 250 mil anos desenvolveram uma técnica revolucionária no lascamento de pedras dando início a indústria lítica chamada Musteriense e que essa indústria teve seu auge entre os Neandertais, que surgiram há 200 mil anos no Norte da Europa Ocidental. Segundo os autores, os heidelbergensis, por volta dos 300 mil anos, passaram a apresentar uma morfologia craniana notável, faces para frente afastadas do neurocrânio, característica mais importante do crânio neandertal. Concluem que ao contrário do que se pensava os neandertais não possuíam nenhum tratamento ritual aos mortos, enterrando-os em covas rasas e mal elaboradas provavelmente por razões higiênicas ou evitando predadores, e que sua extinção (29 mil anos) coincidiu com a chegada e expansão do Homo sapiens (homem comportamentalmente moderno - 45 mil anos) no Oriente Médio e na Europa por volta dos 40 mil anos. Daí em diante começam a tratar das teorias de expansão do homem pelos outros continentes e principalmente sua chegada à América.

Daí então começa a discussão sobre o homem na América. Os Clovistas norte-americanos, por conta de seu egocentrismo inigualável, começam a disputar com os sul-americas as origens do homem na América. Esqueletos encontrados nos EUA datados com 11 mil anos provariam a chegada do homem à América. No entanto, aparece Luzia, um esqueleto datado com 11,5 mil anos no Brasil entre vários outros achados arqueológicos em sítios brasileiros, colombianos, argentinos entre outros. Estava então formada a disputa entre Arqueólogos da América do Sul contra os da América do Norte. A comunidade arqueológica e antropológica norte-americana, pelos seu dogmatismo, retardou assim por décadas o avanço do conhecimento sobre o assunto. Os autores ainda falam das dificuldades encontradas pela profissão, as várias pedras no caminho impostas pelos acadêmicos, ainda mais não sendo norte-americano, onde tradicionalmente encontra-se arqueólogos “mais competentes”.

Em 1825, chegou no Rio de Janeiro, Peter Lund, o pai da arqueologia brasileira. Após ir e voltar da Europa, Lund chega à Minas Gerais, em 1834, junto ao botânico Ludwig Riedel, onde começam escavações. Durante a viagem, Lund foi informado das cavernas existentes em Lagoa Santa, ao sul de Curvelo, onde encontrava-se. Foi lá que Lund passou a encontrar vários fósseis de espécies já extintas. Notou que nas cavernas existia um padrão geral de sedimentação. No piso existia uma argila fina, abaixo uma capa estalagmítica não muito espessa, após uma argila vermelha que podia atingir alguns metros de profundidade que apresentava muitas ossadas fósseis. Em 1843 ocorreu um esvaziamento da Lagoa do Sumidouro e Lund pode revelar um verdadeiro baú de ossos encontrado numa gruta que ficava embaixo da água localizada no sopé de um maciço calcário que margeia parcialmente a lagoa. Então, após analisar os crânios e ossos ali encontrados, lançou a hipótese de que o homem teria surgido primeiro na América e depois migrado para a Ásia, onde teria dado origem às populações mongólica, procedendo do imperfeito para o mais perfeito. Após 10 anos de escavações e vários achados, Lund interrompeu suas escavações alegando através de uma carta para sua família que não tinha mais saúde nem condições financeiras para prosseguir.

100 anos após a chegada de Lund, começam novas escavações na região por Harold Walter entre outros membros da então formada Academia de Ciências de MG. Foram encontrados restos de animais pré-históricos junto ao esqueleto do então chamado “Homem de Confins”.

Entre 1973 e 1976, a arqueóloga francesa Annette Laming-Emperaire concentrou escavações no abrigo de Lapa vermelha, conhecido como Lapa Vermelha IV. Após onze metros de escavação estava achado: O esqueleto de uma jovem do sexo feminino posteriormente denominado Luzia, por Walter Neves, e datado com idade aproximada de 11,5 mil anos. O que mais espanta em Luzia é sua aparência fenotípica com os Aborígenes Australianos, a grande questão é como ela teria chegado na América? Deste ponto em diante abre-se a discussão mundial da chegada destes povos aqui, visto que há 12 mil anos atrás não existia nenhum tipo de embarcação ou se existia, não seria capaz de atravessar o oceano e chegar até aqui. A derrocada do modelo norte-americano “Clovis-first” por Tom Dillehay após achados pré-Clóvis no Chile, fizeram com que Luzia ficasse famosa no mundo. Então Walter Neves fez um modelo cronológico de todos os achados de Lund em Lagoa Santa provando que Luzia não estava sozinha, destruindo assim os apedeutistas norte-americanos que tentavam derrubar Luzia.

Chegando ao Capítulo 5, começa então uma análise geográfico-física do Carste de Lagoa Santa onde os autores explicam a formação da região, das cavernas ao longo de milhares de anos e como foram chegados e espalhados os fósseis entre suas estruturas explicando as prováveis atividades e costumes dos grupos forregeadores lá além de explicar também a probabilidade dos costumes e atividades da megafáuna (mastodontes, tigres dente-de-sabre, gliptodontes, toxodontes, preguiças e cavalos pré-históricos) encontrada nessa região.

Dando continuidade à obra, os autores explicam todos os possíveis costumes do Povo de Luzia, baseando-se em outras populações pré-históricas e que existem até hoje, incluindo as atividades de outros primatas, sua alimentação, sua organização social, política e comportamental, seus cultos aos mortos entre outros aspectos. O projeto Origens vem possibilitando novas descobertas na região e prosseguindo a obra os autores explicam seus ideais pro futuro em Lagoa Santa. Por último eles mostram o que ainda encontra-se pendente sobre o povo de Luzia como suas origens continentais entre outros costumes do seu estilo de vida.

A principal idéia de escrever a obra, segundo os próprios autores, é divulgar o que está acontecendo no campo da arqueologia no Brasil, apresentar os principais sítios e o que vem sendo encontrado na nossa terra. Apetecer Jovens estudantes a juntar-se a eles nas pesquisas, não só em Lagoa Santa, mas em outros territórios do país para que possamos descobrir e saber cada vez mais sobre a origem da vida no planeta e a origem do homem. Com o povo de Luzia foram e são capazes de atingir esse principal objetivo pois o livro deixa o leitor com as mesmas “pulgas atrás da orelha” que os autores levantam ao longo da obra e permite que até possam formular algumas novas teorias que possam de repente ser válidas algum dia. Luzia agora luta para fazer parte da ciência mundial, a missão do livro que era apresenta-la aos seus conterrâneos (nós, brasileiros) está se cumprindo, a janela está aberta, agora basta entrarmos no assunto e explorá-lo cada vez mais até que todas dúvidas possíveis sejam esclarecidas!



Bibliografia: NEVES, Walter A. & PILÓ, Luís B. O Povo de Luzia. São Paulo - SP: Editora Globo. 2008.

Um comentário:

Aninha disse...

VocÊ esta de parabéns!
Gostei muito do que li.