sábado, 18 de junho de 2011

Descaso com o Patrimônio, principalmente, por parte da população e/ou proprietários?



A DESVALORIZAÇÃO DA MEMÓRIA E DO PATRIMÔNIO NA RAINHA DA FRONTEIRA.
Ivan Cesar dos Santos Pinheiro[1]
“Novo documento [...] deve ser tratado como documento/monumento [...] onde a urgência é elaborar uma nova erudição capaz de transferir este do campo da memória para o da ciência histórica” (LE GOFF, 2003).
O descaso evidente que se presencia nos tempos de hoje ao que diz respeito a memória e patrimônio da cidade histórica de Bagé, na fronteira com Uruguai, palco de batalhas históricas entre nativos, espanhóis e portugueses com o intuito de delimitar seus territórios, ainda em tempos do colonialismo nos séculos XVIII e XIX, é lastimável. Logo que retornei a cidade onde nasci e me criei, há pouco mais de um ano, depois de cerca de cinco anos fora, tive um impacto, principalmente visual, muito grande. Uma cidade caracterizada por sua aparência arquitetônica luso-espanhola muito marcante, aos poucos, vai perdendo seus ares coloniais. Muitas das casas que costumava passar em frente e admirar a beleza dos detalhes arquitetônicos e artísticos que marcaram minha infância e com certeza a de muita gente, estão mal conservadas, fechadas, demolidas, levadas ao chão noite a noite por maquinários impiedosos e sedentos de uma destruição massiva da história a mando de seus donos, desculpe o termo grosseiro típico de quem nasceu na fronteira, ignorantes. Uma verdadeira falta de respeito para com a história e memória do lugar. Prédios históricos são valorizados, não só no Brasil, mas no mundo todo, a exemplos próximos temos Pelotas, Rio Grande e outras tantas, como São Paulo onde na Avenida Paulista, por exemplo, encontramos vários casarões de quando a cidade ainda era um vilarejo contrastados com prédios moderníssimos de arquitetura futurista, envidraçados, de várias cores e formas diferentes.
Estes prédios estão para Bagé como materiais da memória coletiva, que segundo LE GOFF, em sua forma científica se dão através de dois tipos de materiais: documentos (escolha do historiador) e monumentos (herança do passado), diretamente ligados ao patrimônio de uma sociedade. Perceba que não estamos falando apenas de documentos como papéis, mas sim como uma testemunha de um fato ocorrido, documentos podem ter diversas formas além da que nos vem direto em mente. Os dois agentes de ambos que no caso dos documentos seriam, em primeiro plano, os cientistas do passado, os historiadores, que se dedicam a pesquisar e documentar seus projetos. No caso dos Monumentos, seriam as “forças” que operam ou governam no desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade. A proposta e o desenvolvimento que o autor dá a esses dois objetos são extremamente fiéis ao que acredito. LE GOFF é um autor renomado mundialmente e muito criticado (seja positiva ou negativamente) por historiadores do mundo todo. Quanto a documentos, muitas vezes não são só escolhas do historiador, mas também escolhas da sociedade, do governo ou de uma civilização que influi, direta ou indiretamente, na visão do autor de tal objeto da história. Vale lembrar, como exemplo, que, fora a variação das visões de cada autor, a bíblia é um livro que fora modificado e enfeitado durante vários séculos para se adaptar ao contexto social de cada época, para que nunca perdesse sua valia dentre os religiosos. A questão dos prédios históricos se aplica perfeitamente neste quadro.
Temos por patrimônio um conjunto de bens produzidos por outras gerações, resultantes da experiência coletiva que um grupo humano deseja manter como perene. Supera a definição estreita de um conjunto estático de objetos, construções, documentos, obras, etc., sendo uma marca, um vestígio que individualiza os homens em momentos temporal e culturalmente distintos. Um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações que aí detinham o poder. Se o que vivemos hoje é diferente do que se vivia quando essas construções foram feitas, devemos respeitar o que existe e construir o novo, para mostrar que soubemos evoluir sem quebrar os elos com o passado e nossas raízes. Se não temos interesse em fazer isso por nós mesmos, façamos por nossos pais, avós, bisavós, que com o suor de seu trabalho, constituíram o que temos em vista hoje.
A sede pela modernização está acabando com o que ainda traz muita gente de fora para conhecer e ver um pouco do que aconteceu no Rio Grande do Sul, o turismo histórico. Bagé é um monumento a céu aberto com casarões, igrejas e ruas repletas de artefatos trazidos da Europa para suas construções. O centro histórico da cidade é riquíssimo e pouca gente consegue ter a percepção do quanto isso valoriza o lugar. Não é necessário ser um erudito pra saber que o moderno, futurista, contrastado com o antigo, clássico, faz com que o antigo e o novo se fundam deixando uma cidade muito mais bela do que possamos imaginar, até porque o moderno, um dia, será clássico. Essa conscientização da população se faz necessária e seria fundamental para o crescimento econômico e social, a movimentação da economia e o enriquecimento cultural e físico do local. MENESES explica que existem três palavras chaves para memória e patrimônio: resgate, recuperação e preservação. A identidade de cada região é fundamental para sua valorização e só manteremos a identidade da rainha da fronteira com uma política concisa de valorização do patrimônio histórico riquíssimo que este município possui. Porém, não basta somente isto, mas também um engajamento por parte do povo bajeense para o sucesso desta empreitada.
Bibliografia:
LE GOFF, Jacques. História e Memória. SP – Ed. Unicamp, 2003. Cap.: Documento/monumento. Pg. 541.
SILVA, Zélia L. (organizadora). Arquivos Patrimônio e Memória: Trajetórias e Perspectivas. SP – Ed. UNESP. Cap. A crise da memória, história e documento: reflexões para um tempo de transformações. Por Meneses, Ulpiano.


[1] Historiador, acadêmico do curso de História Bacharelado, com ênfase em Patrimônio, da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) e acadêmico do curso de História Licenciatura da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI).

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